Artigo escrito por André Ganc*
Imagine que vivemos em uma comunidade equestre global onde seja instituído o “selo de welfare [bem-estar]”. Uma espécie de ISO do cavalo. Um certificado de boas práticas. Imagine que esse “selo” seja concedido em três categorias: cavaleiros, cavalos e facilities [instalações]. E que seja concedido a todos os cavaleiros, de todos os níveis, a todos os cavalos e a todas as instalações — privadas ou públicas, de antemão, sem precisar de qualquer qualificação. Apenas uma declaração.
Imagine que, para poder concorrer em qualquer prova oficial ou reconhecida pela FEI ou suas afiliadas, a combinação deva apresentar os três selos de welfare [bem-estar]. Imagine que, na declaração, as facilities [instalações] se comprometam a instalar e manter funcionando um sistema adequado de monitoramento por câmeras em todas suas pistas de treinamento e/ou exercício, assim como dando acesso à autoridade constituída pela FEI ou às suas autorizadas a essas imagens em tempo real e também o acesso físico das mesmas autoridades a todas as suas instalações a qualquer tempo.
Imagine agora que a essa autoridade constituída chamemos de “vigilante”.
Imagine que o vigilante tenha a função de observação randômica (ou não) através de imagens remotas (ou não) e de encaminhamento do material coletado acompanhado (ou não) de relatório para a um comitê de welfare da FEI e/ou entidade nomeada e monitorada e auditada por esta.
Agora imaginemos um estudo de caso:
Imagine que um fulano dê um puxão descomunal na boca de um cavalo e, por acaso, o vigilante esteja assistindo remotamente. Ele não vai perder o selo imediatamente. O vigilante, por conta desse indício, resolve continuar observando e se, de fato, o cavaleiro continua fazendo uso de práticas violentas com esse e outros cavalos. Imagine que não há interferência por parte da facility.
Então, o vigilante reúne o material e o encaminha para a devida comissão. O caso é grave e é retirado, conforme a gravidade dos fatos, os selos do cavaleiro, do cavalo e da facility. A partir de um pequeno prazo de carência, todos os cavalos montados por esse cavaleiro perdem o selo também, assim como todos os cavalos mantidos na facility. Sem selo não tem prova, campeonato, olimpíada…
Imaginemos variações sobre o mesmo caso: O cavaleiro é violento. O dono do cavalo ou seu responsável intervém e não permite mais que o cavalo seja montado mais pelo mesmo cavaleiro a partir daquela data. A facility também intervém e bane o cavaleiro. Nesse caso, somente o cavaleiro perderia o selo e o nosso cavalo fenomenal poderia continuar na mesma facility sendo montado por outro cavaleiro que tenha o selo.
No caso de a facility não banir o cavaleiro que perdeu o selo e esse montar outros cavalos mesmo depois de um prazo de transição, perdem seus selos os outros cavalos e a facility também.
Imagine que o vigilante tente assistir um treino e não consegue acessar às imagens. Ele pode pedir uma justificativa e monitorar aquele cavalo, horário e/ou cavaleiro de forma dirigida por alguns ou vários dias para verificar e coletar mais fatos para basear decisões dos comitês.
Agora, imagine o impacto que isso geraria na vida dos cavalos.
Imagine quantos cavaleiros pensariam duas vezes antes de perder a cabeça e espancar, agarrar ou sangrar um cavalo. E quantos mudariam de ideia somente por terem que pensar duas vezes.
Imagine quanto os proprietários exigiriam dos seus treinadores em termos de respeito ao welfare dos seus animais. Imagine o quanto os donos de instalações/baias se preocupariam com quem e como se montam cavalos em suas instalações.
E imagine o quanto mais seria seguido o regulamento da FEI onde diz que o bem-estar do cavalo é uma condição essencial e final da prática do adestramento.
* André Ganc, atualmente radicado nos Estados Unidos, é cavaleiro, treinador e juiz nacional de adestramento.
ARTIGO é um texto de opinião, no qual o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da sua interpretação de fatos e do seu ponto de vista. O artigo não reflete, necessariamente, a opinião do site.



Um selo de bem estar animal que contemple cavalo, cavaleiro e instalações é de fato muito interessante.
Trabalho com certificação agropecuária a 20 anos, e conheço bem os benefícios de protocolos de conduta para o setor.
Mas penso que o controle por câmeras à lá “Big Brother” é mais negativo do que positivo. Cria-se um sistema baseado na desconfiança e no policiamento.
Em contrapartida, certificações baseadas em processos documentados e auditorias frequentes (agendadas ou não) foca mais em confiança, gestão e boas práticas que podem ser documentadas e comprovadas.
Acho que a certificação é um excelente caminho para o esporte, e me coloco à disposição para contribuir.
Excelente artigo!
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Caro Alex:
A idéia do texto é de um convite à reflexão e da necessidade urgente de um questionamento sobre as práticas usadas ou toleradas pela nossa comunidade. Uma “ISO” do cavalo. O uso randomico de câmeras, hoje já tão comum em qualquer ambiente de trabalho, pode ou não fazer parte do processo. O importante é começar. Antes que seja tarde e que toda a comunidade equestre pague pela violência de alguns.
Grande abraço
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