Nessa semana, a estreia do documentário “Operação X: Os segredos do bilionário dos cavalos”, da dinamarquesa TV2, abalou a comunidade equestre, já que o programa mostra métodos cruéis de treinamento e tratamento de cavalos na sede da Helgstrand Dressage, na Dinamarca. Adestramento Brasil compilou as principais repercussões acerca do programa.
Primeira a se manifestar, a Federação Equestre Dinamarquesa (DRF) anunciou, na quarta (22/11), que excluiu, por enquanto, Andreas Helgstrand da seleção nacional de adestramento e a parceria para eventos com a empresa. Dois dias depois, a Federação Equestre Internacional emitiu comunicado, ressaltando que preza o bem-estar dos cavalos, que está trabalhando com a Dinamarca, mas não revelou nenhuma ação concreta imediata. E, por sua vez, a Helgstrand Dressage, disse que as imagens “não correspondem às nossas diretrizes e valores; e não é representativo da nossa cultura. Precisamos corrigir isso”.
SE VOCÊ FAZ ADESTRAMENTO, VOCÊ LÊ O SITE E SABE QUE AQUI TEM UMA FONTE CONFIÁVEL E INDEPENDENTE DE CONTEÚDO!
>>> Peça o mídia kit e coloque sua marca no site mais visitado do adestramento brasileiro! Ou contribua no valor que quiser para seguirmos com nosso jornalismo – via PayPal (cartão de crédito) ou Pix (contato@adestramentobrasil.com).
Helgstrand tentou impedir a transmissão por meio de ações judiciais, usando como justificativa o fato de ter sido usado “método secreto”, mas perdeu a ação e o documentário foi ao ar (assista aqui). O programa, apresentado pelo jornalista investigativo Morten Spiegelhauer, é baseado em imagens filmadas com uma câmera escondida pela jornalista Rebekka Klubien, que se disfarçou como tratadora no Helgstrand Dressage em janeiro deste ano.
A TV2 compartilhou videoclipes curtos do documentário em seu site (aqui e aqui) e, ao divulgar o programa, destacou: “Só depois de dois processos judiciais, a TV2 pode agora mostrar o que o bilionário dos cavalos não quer que apareça e que envolve marcas de chicote, esporas e métodos de treinamento controversos”.
A primeira parte — à qual a revista Horse & Hound teve acesso e disse ter assistido na íntegra — começa com Morten Spiegelhauer telefonando para Andreas Helgstrand e oferecendo-lhe a oportunidade de ver a filmagem e participar de uma entrevista na televisão. Andreas recusou e iniciou um processo judicial.
Ao longo do programa, Spiegelhauer conduz entrevistas com especialistas, incluindo a veterinária equina Heidi Nielsen, o treinador John Randskov e a ex-cavaleira Susan Kjaergard. As fotos e filmagens são mostradas a eles e, segundo H&H, todos os três afirmam que se trata de lesões causadas pelo uso incorreto e violento de chicotes e esporas. O documentário da Operação X também apresenta entrevistas com ex-funcionários e cavaleiros da Helgstrand Dressage, incluindo Nanna Moller, Camilla Christensen, Silke Smevik e Sverre Smevik.
De acordo com a TV2, apesar de diversas ofertas, Andreas Helgstrand não quis ser entrevistado para o documentário ‘Operação X’. As imagens divulgadas até o momento mostram feridas abertas de esporas no cavalo, marcas de chicote, uso excessivo de rollkur, cavalo trabalhando com o focinho amarrado bem curto ao peito e sendo obrigado a trotar em um círculo menor que 10 m, entre outros.
Posicionamento da FEI
A Federação Equestre Internacional afirmou estar ciente do que classificou como “as imagens angustiantes” apresentadas no documentário da TV2 dinamarquesa, “Operação X: Os segredos do bilionário dos cavalos”, que envolveu Andreas Helgstrand. “A FEI leva muito a sério todas as alegações de abuso de cavalos e em todos os momentos o bem-estar do cavalo deve ser primordial”, disse a FEI no comunicado, acrescentando que o bem-estar dos cavalos está no centro dos seus valores e regulamentos e que qualquer ação ou omissão que cause ou possa causar dor ou desconforto desnecessário a um cavalo constitui uma violação das regras.
A FEI afirmou não poder fornecer mais detalhes neste momento e disse estar colaborando estreitamente com a Federação Nacional Dinamarquesa. “Haverá um reconhecimento mútuo das decisões e de quaisquer sanções impostas. Continuaremos a nos comunicar à medida que a situação evolui e queremos garantir à comunidade equestre, às nossas partes interessadas e ao público que estamos abordando esta questão com rigor”, escreveu.
A FEI ressaltou ainda que cabe aos órgãos governamentais garantir que existam regras em vigor para sancionar quaisquer violações do bem-estar e defender o bem-estar dos cavalos e que há uma responsabilidade sobre todos dentro da comunidade equestre de aderir a tais regras e melhores práticas. Lembrou que foi criada, em junho de 2022, a Comissão de Ética e Bem-estar Equino (EEWB, na sigla em inglês) e que um relatório final da comissão foi entregue ao Conselho da FEI em 18 de novembro de 2023 — este documento formará agora a base de um plano de ação e roteiro para implementação a ser discutido no próximo FEI Sports Forum em abril de 2024.
Punições da Federação Equestre da Dinamarca
O conselho da DRF tratou do assunto em uma reunião na quarta-feira às 17h00, depois de assistir a duas emissões na TV 2 Play. “Está agora claro que Andreas Helgstrand, com base nas transmissões, não pode representar a DRF como cavaleiro do grupo e da seleção nacional”, afirmou, explicando que, ao ser integrante da seleção nacional, os atletas são obrigados a cumprir o Código de Conduta da DRF, as diretrizes para a utilização eticamente correta de cavalos para desportos equestres e a agir como bons modelos. Leia o comunicado aqui.
A DRF foi além e terminou a cooperação com a Helgstrand Event que faz parte do Grupo Helgstrand. Também pediu que os cavaleiros que aparecem desfocados na gravação compareçam perante o comitê disciplinar da DRF e, caso isso não aconteça, disse que tomará medidas com vista à identificação deles e à sua comunicação à comissão disciplinar da associação.
“A cultura e abordagem inaceitáveis no treinamento e tratamento de cavalos, que as transmissões mostram claramente, não são compatíveis com os valores e princípios fundamentais da DRF para o bem-estar dos cavalos. Portanto, o conselho de administração da DRF também decidiu, na noite de quarta-feira, encerrar a cooperação com a Helgstrand Event na realização de eventos B, bem como de campeonatos nacionais e internacionais, por enquanto. Em 2024, isto diz respeito, entre outras coisas, sobre o DM em adestramento para cavaleiros seniores e sub-25, bem como para adestramento no mês de maio, e diz respeito à realização dos campeonatos nórdicos de adestramento, salto, para adestramento e salto no mês de junho”, destacou. A DRF também disse que solicitaria à FEI que reavalie o acordo de cooperação com base nas duas transmissões — a FEI não abordou este tema em seu comunicado.
E mais: nada novo?
Em seu Instagram, Patrik Kittel disse que desaprova qualquer forma de violência contra cavalos e métodos não-autorizados de treinamentos. Cathrine Laudrup-Dufour não se manifestou.
Em comunicado, a sociedade dinamarquesa de bem-estar animal Dyrenes Beskyttelse disse que denunciou Helgstrand Dressage, o diretor e coproprietário Andreas Helgstrand, medalha olímpica de bronze, e os cavaleiros associados por crueldade contra animais.
“Na Dyrenes Beskytselse, estamos chocados com o documentário. As gravações ocultas mostram que os cavalos da Helgstrand Dressage foram sistematicamente tratados de uma forma profundamente preocupante e que vai contra os princípios básicos do treino responsável e do bem-estar animal. Acreditamos que tem caráter de crueldade contra os animais”, disse Yvonne Johansen, chefe de proteção animal da Dyrenes Beskyttelse e veterinária especializada em cavalos.
Apesar de membros da comunidade equestre ter afirmado ficar surpresos, o perfil no Instagram @blondedressage, de uma finlandesa identificada como Saara, colocou vídeos antigos apontando que o tipo de equitação e tratamento de cavalos vindo à tona pelo documentário “vem acontecendo diante dos olhos da FEI e da comunidade de adestramento há anos, até décadas. A Operação X apenas confirma isso. Agora a questão é: as evidências do tratamento horrível dispensado aos cavalos ainda serão ignoradas? Lembre-se, o adestramento de Helgstrand patrocinou o último Campeonato Mundial”, destacou o perfil.
Na mesma linha, Astrid Appels, do Eurodressage, escreveu em um editorial bastante contundente: “A indignação com o documentário é hipócrita. Todos esses cavaleiros que agora postam declarações de que “se distanciam desses atos violentos na equitação” há anos vêm aproveitando seu sucesso como negociante de cavalos e proprietário de garanhões. Eles eram tão fanáticos quanto os Swifties comprando ingressos para seus shows, levando clientes para a Dinamarca e sendo recompensados com gordas comissões. Agora eles mordem a mão que os alimentou durante anos! Ridículo. É pura fachada”.
Astrid Appels destacou que Helgstrand teve vários problemas com cavalo hostis ao longo dos anos e citou alguns: o incidente de rollkur com Torveslettens Stamina, o incidente com Akeem Foldager (língua azul) e o piaffe reverso de Polka Hit Nexen no CDIO Aachen. “Andreas sempre apresentou cavalos mega espetaculares e talentosos que não aguentavam a tensão. Talvez a maior lição que ele possa aprender com esta situação de crise seja que “menos é mais”?”, questionou no artigo opinativo.
O outro lado
Diante de toda a repercussão, Helgstrand Dressage emitiu um comunicado dizendo que o que viu nas filmagens de Operação X “não está tudo bem, é má equitação e tratamento dos cavalos que não queremos ver no Helgstrand Dressage. Não corresponde às nossas diretrizes e valores; não é representativo da nossa cultura. Precisamos corrigir isso”.
Disse que o que o documentário mostrou não está em linha com os valores da empresa. “As gravações são de janeiro de 2023 e revisamos minuciosamente nossos processos de trabalho antes e depois das gravações e introduzimos uma ampla gama de medidas e pontos de melhoria para o bem-estar animal, gestão empresarial e condições para nossos funcionários”, disse.
A Helgstrand Dressage treina cerca de 350 cavalos por dia, conta com 60 cavaleiros e tratadores profissionais. “É nossa responsabilidade garantir que as nossas orientações sejam seguidas e que os métodos de treino sejam utilizados de forma correta e sempre tendo a saúde e o bem-estar do cavalo como principal prioridade”, destacou, acrescentando que os equipamentos devem orientar e corrigir o cavalo, mas nunca devem ser usados para punição.
“Gostaríamos de deixar claro que o rollkur e o uso excessivo de chicote ou rédeas não são aceitos por nós. O mesmo se aplica à cobertura de marcas de esporas com creme colorido”, pontuou. Leia a íntegra aqui.
Imagem: TV2



4 respostas para ‘Operação X: a repercussão do documentário sobre Helgstrand Dressage’