Impulsão age como mola propulsora e é pré-requisito para equitação avançada

A impulsão é o quarto elemento da escala de treinamento e o primeiro da metade superior, ou seja, ela marca a passagem de patamares mais básicos para ir em direção ao intermediário, quando se tem um cavalo mais avançado. Mas o que caracteriza a impulsão e como alcançá-la? Depois de explicar ritmo, descontração e contato, Claudia Leschonski, médica veterinária e instrutora na Universidade do Cavalo (UC), detalha o que é impulsão e o que fazer para obtê-la.


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Adestramento Brasil — Como você explica o que é impulsão?
Claudia Leschonski — A primeira coisa que sempre me vem à mente é que impulsão não é velocidade. O cavalo andar com impulsão não quer dizer ele ir mais rápido para frente, mas se movendo para cima, tendo uma energia de deslocamento para cima, uma capacidade de molejo, elevando o andamento dele do chão. Por exemplo, para os atletas humanos chamamos de impulsão a capacidade de as pessoas de saltarem paradas, o quanto a pessoa consegue se elevar do chão; é um jogador de vôlei saltando na frente da rede ou alguém no treinamento na academia saltando em cima de um caixote. A ideia de impulsão é o quanto você consegue subir do chão.

São boas imagens mentais, como você traduz isto para o cavalo?
Tanto o trote como o galope são andamentos em que o cavalo tem um breve instante de suspensão. No trote, na troca das diagonais, tem uma fração de segundo que as quatro patas estão no ar. No galope, entre um lance e outro, também tem um momento em que os quatro pés estão no ar e o cavalo está flutuando. Na maior parte dos cavalos, fotografar este instante é um pouco difícil, porque ele é rápido. Se eu tenho um cavalo em que é muito mais fácil pegar uma foto assim, isto significa que ele naturalmente tem uma grande impulsão.

Uma maior impulsão acrescenta dificuldade para quem está em cima?
Sim, o cavalo com maior impulsão, tende a ser mais difícil de sentar, porque esta impulsão resulta em mais elevação e a movimentação do corpo todo dele é muito maior. Então, aí entra a capacitação do cavaleiro. Para o cavalo ter e manter uma boa impulsão, você tem de ter um bom assento, equilibrado, condicionado, capaz de acompanhar todos os movimentos do cavalo. Vamos imaginar um cavalo muito impulsionado e você começa a socar nas costas dele e, para manter o seu equilíbrio, você começa a agarrar nas rédeas. Ou seja, o cavalo, graças à impulsão vai ter dor nas costas e dor na boca, é incômodo, desconfortável. Como ele vai se ajustar rapidamente? Ele vai andar com menos impulsão, vai desenvolver um andamento mais curto, mais próximo do chão, menos elástico, com menos molejo e esta é uma situação clássica que o cavalo anda muito melhor sem cavaleiro que com cavaleiro. Impulsão é muito boa, mas nem sempre é adequada para o cavaleiro iniciante e, pensando na pirâmide, impulsão é boa desde que ritmo, descontração e contato sejam mantidos.

Sabemos que impulsão é um movimento amplo, elástico e bonito, como ela ocorre?
A impulsão é um molejo que propulsiona, que dá energia para o movimento. Voltemos à figura do atleta humano saltando, elevando as pernas do chão. Uma pessoa para fazer uma corrida de salto com barreiras precisa de muita impulsão. Uma maneira de visualizar isto é com molas destas de espiral de colchão ou poltronas. Toda mola libera energia cinética: você armazena energia cinética dela ao ser comprimida e libera esta energia quando alivia a pressão e a mola pula. No movimento do cavalo, esta energia é adicional em relação ao movimento normal. Por exemplo, seu cavalo no pasto, de repente, levanta a cabeça, chacoalha a cauda e dá aquele trotinho elevado que é muito comum em garanhão querendo impressionar e começa a meio que a piaffar, passagear. O que ele fez? Ele aumentou a energia necessária para o movimento por algum fator. E ele precisa de mais força, mais energia, mais adrenalina. Pensa na imagem de piaffe ou passage, eles não são mais rápidos, não cobrem mais chão, mas há mais elevação dos membros a cada passada.

Por que impulsão é pré-requisito para uma equitação mais avançada?
Toda a vez que a gente quer mais energia do cavalo, especialmente, para os movimentos para cima, um grau maior de impulsão é necessário. Lógico que impulsão não é sim ou não, mas em graus. E a imagem de corda e mola faz sentido — a mola que você comprime um pouquinho vai dar um saltinho pequeno quando soltar e que com mais compressão vai dar um salto grande. A impulsão também é pré-requisito para reunião e para movimentos como passage, piaffe, as piruetas, as meias-piruetas. Se pensar na outra vertente da equitação clássica, a equitação barroca ou aquela que é praticada nas grandes academias, os saltos são um grau de reunião, mas onde reunião e impulsão funcionam juntas para produzir estes saltos de escola que são saltos para cima. O próprio salto sobre obstáculos precisa da impulsão como pré-requisito para superar as alturas maiores e daí de novo aquela imagem da mola que tem de ser comprimida para ele saltar por cima dos obstáculos. A impulsão e a retidão são pré-requisitos para a reunião, mas você automaticamente ao ter a impulsão você está colocando os primeiros elementos da reunião. E a impulsão já precisa agir em binômio com a retidão para ser aproveitada e não desperdiçada.

Como a impulsão está relacionada a cavalos que sejam back mover versus o leg mover?
O leg mover é o cavalo que tem a energia do movimento saindo, principalmente, das pernas. O back mover é aquele que coloca todo o tronco e toda a coluna vertebral, ou seja, o conjunto de músculos, ligamentos e tendões do dorso, lombo e abdominal também na movimentação. Nesta parte, uma imagem bem bacana para entender isto é a do nadador humano. Gosto de comparar o cavalo em movimento a uma pessoa nadando, porque a pessoa nadando é quadrúpede, ela passa a ser horizontal e usa tanto seus membros anteriores quanto posteriores. Um exemplo de leg mover, que só usa as pernas para se locomover, é a criança ou a pessoa que nunca aprendeu tecnicamente a nadar e faz nado cachorrinho, que é tipicamente pernas e braços batendo com muita energia e velocidade, fazendo um monte de espuma, mas com pouca eficiência — a pessoa cansa rápido e quase não sai do lugar.

Já a pessoa que aprendeu a nadar com mais técnica, geralmente com ajuda de professor, será o inverso: o movimento é gerado pela musculatura do dorso e do lombo, a pessoa não gira o braço, ela movimenta o ombro e o movimento do ombro e ele traz consigo o movimento do braço. Isso é menos cansativo, mais eficiente, rende mais, não despende energia à toa, não tem uma bateção de espuma e a pessoa desliza dentro da água, porque usa todo o corpo dela para produzir este movimento. Esta é a analogia que podemos pensar nos cavalos que se movimentam corretamente, usando toda a sua musculatura. Para que o cavalo consiga fazer isto, ele precisa ter um bom cavaleiro. Se o cavaleiro não tiver bom assento, um bom conhecimento da aplicação das ajudas, ritmo, descontração e contato vão se perder e o movimento das costas vai se bloqueado. Então, o cavalo leg mover, que não usa o dorso corretamente, geralmente, a primeira causa disto é um cavaleiro tecnicamente ruim que força o cavalo a desenvolver mecanismos de defesa.

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Como se gera a impulsão?
Para conseguir a impulsão, a gente está ativando e mobilizando a mola do cavalo, a gente está convidando ele a se movimentar de uma maneira a usar as pernas com mais energia, a dar uma passada mais elevada. Para uma pessoa é muito fácil: se o professor de academia manda dar a corridinha batendo o joelho bem alto, na mão, para uma pessoa é só pedir que ela vai fazer. No começo vai fazer mal, porque não está treinada, mas, quando entendeu o que se pede, vai tentar e, com o passar do tempo, vai melhorando até o seu limite natural. Para o cavalo não tem como explicar que se quer que ele ande diferente. Você tem de promover o uso diferenciado da musculatura, do aparelho locomotor dele e aí recompensá-lo com alívio, carinho, com sensações agradáveis depois que ele começa a fazer o que você quer, para ele buscar o alívio prazeroso que você está colocando para ele. Sempre lembrando que todos estes movimentos são naturais, não são artificiais. O truque é apenas a gente colocá-los à nossa disposição, incitar os cavalos a fazer este tipo de movimento quando a gente quer e não apenas quando ele quer.

Mas como fazer isto?
Temos de nos ocupar dos andamentos laterais, porque o andamento lateral incentiva o cavalo, faz o cavalo usar a musculatura dorso-lombar e também a abdominal, que é chave da impulsão. Outro conceito é entender que sempre temos o sentido do movimento lateral e o sentido longitudinal. O lateral é o da esquerda e direita e o longitudinal é o para cima e para baixo e as duas coisas sempre agem em conjunto. Incentivando a movimentação lateral do cavalo, a gente começa a engajar a musculatura de uma maneira em que a elevação para cima e para baixo, que caracteriza a impulsão, começa a funcionar melhor também.

Os andamentos em duas pistas são a cedência à perna, espádua para dentro, travers e renvers, dos quais sai o apoiar, e isto, na verdade, é o básico. Vamos ficar com a cedência e a espádua para dentro, que podem ser realizadas tanto em reta como em encurvatura em círculos ou em segmentos de círculos. Uma preparação para a cedência, para cavalo e cavaleiro que nunca fizeram nada disto, o exercício de girar, de afastar o posterior em torno da perna é uma coisa bem legal. Disto evoluí à cedência e depois à espádua.

À medida que o cavalo vai se aperfeiçoando nestes movimentos, primeiro a passo e depois a trote, ele vai evoluindo a diagonalização das pernas, ou seja, a capacidade que ele tem de cruzar uma perna à frente da outra melhora. Isto aumenta o engajamento da musculatura abdominal e lombo-dorsal, que faz com que o cavalo, finalmente, comece a movimentar o dorso. O que estamos fazendo? Estamos fazendo alongamentos laterais de músculos fáscias, de ligamentos, de uma musculatura que o cavalo não usaria normalmente desta maneira, o que vai incentivar ele a movimentar, utilizando mais toda a musculatura de toda a coluna vertebral — e isto é a essência da impulsão, o cavalo que anda com o dorso, o famoso back mover.

Qual é o papel das transições?
Nesta fase, as transições e as figuras que já tínhamos antes sendo colocadas juntas com a intenção de aumentar o nível de impulsão do cavalo. Vou dar uma imagem mental bem simples: se você está sentado na cadeira e se levanta, quando faz isto uma única vez, despende um determinado esforço. Mas, se faz isto dez, vinte vezes, sentando-se e levantando-se seguidas e repetidas vezes, você começa a ficar em prontidão, os seus músculos começam a trabalhar de maneira diferente, você começa construir uma memória muscular diferente para te preparando para aquele movimento. Você se sentar e levantar da cadeira seriam as transições frequentes para ficar em prontidão e preparar sua musculatura. A mesma coisa acontece com os cavalos.

Então, se você vai trabalhar o seu cavalo durante dez minutos, 15 minutos, em uma determinada fase do trabalho, muitas pessoas trotam, por exemplo, cinco minutos para esquerda, depois cinco minutos para direita, depois galope, três minutos para esquerda e três para direita. É muito tempo perdido, porque você fez pouquíssimas transições, três ou quatro transições quando você poderia ter feito dez, vinte, trinta. Por exemplo, trinta segundos de trote, pega passo; um minuto de trote, depois galope, volta para o trote, trote e passo, passo e alto. Todas as transições que imaginar, lembrando, óbvio, que existem as transições dentro de um mesmo andamento, alternando entre trote reunido e o médio, trote mais curtinho e um que está aumentando um pouco as passadas e idem para o galope. Tudo isto vai aumentando o nível de impulsão do cavalo. E aqui vemos mais uma vez a importância das etapas anteriores terem sido bem cumpridas. Não adianta pedir estas transições frequentes, se o cavalo não está preparado para elas, se não está corretamente posto à mão, se ele não tem ritmo para conseguir cumprir estas alterações sem se desequilibrar.

O último item é colocar as figuras que, neste sentido em termo de impulsão,o que é mais interessante é ter mudanças de encurvatura lateral (esquerda, direita e em linha reta), com maior e menor graus de encurvatura. Por exemplo, serpentinas para alternar a encurvatura. Se você está começando, pode fazer os meio círculos no trote sentado e a linha reta no trote elevado; uma variante disto seria fazer as linhas retas em um trote mais amplo e as meias-voltas em um trote reunido. Com isso, você está juntando mudança de direção, mudança de velocidade e as transições. Eventualmente, pode fazer outras figuras nas quais as transições vão de um andamento ao outro. Com isso você coloca o seu cavalo para ser prestativo e atento à mão, respondendo bem aos seus comandos e, assim, naturalmente ele vai querer a ficar mais impulsionado. Ele começa a colaborar com você, no sentido de que agora vem isto, agora vem aquilo e ele terá se preparar, ficar pronto.

 

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