Última etapa na escala de treinamento, a reunião não pode sacrificar os elementos anteriores, principalmente, a descontração e o ritmo; e alcançar a reunião não significa apenas pensá-la em seus graus máximos, como em piaffe ou passage, explica Claudia Leschonski, médica veterinária e instrutora na Universidade do Cavalo (UC), em entrevista para a série que Adestramento Brasil publica destrinchando os aspectos da escala de treinamento (leia o especial completo). “Se a descontração e o ritmo se perderem, a reunião não vale a pena ser mantida”, ressalta. Leia a seguir a entrevista.
Adestramento Brasil — Chegamos ao topo da escala de treinamento. Vamos falar sobre reunião.
Claudia Leschonski — Reunião, às vezes, é meio mística, porque a gente pensa em passage e piaffe, mas isto é pensar na reunião apenas em seu grau máximo. Às vezes, a gente também pensa na reunião como último ponto, para ser alcançada só quando o cavalo estiver pronto, quando tiver chegado ao nível máximo das suas possibilidades e que já se tornou, por exemplo, um cavalo de grande prêmio. Mas não é assim. Como tudo na escala de treinamento, a reunião acontece em graus — você pode ter pouca reunião, média e um elevado grau de reunião — e certo grau inicial de reunião é quase que necessário para todos os cavalos de equitação.
Como você define reunião?
A definição mais simples de reunião é aproximar os pés das mãos. Às vezes, o pessoal confunde reunião com contato, com a flexão vertical da nuca, com a cabeça estar em 90 graus. Mas, não. A reunião não é da cabeça; é do corpo, é fazer uma maior entrada do posterior, ou seja, trazer os posteriores para mais perto dos anteriores, obtendo-se, assim, a famosa elevação de nuca. E isso traz consigo a transferência de peso dos anteriores para os posteriores. Por isso, um grau de reunião é essencial nos movimentos. Toda vez que um cavalo faz uma transferência de peso, ele está utilizando um determinado grau de reunião.
Como se dá esta transferência de peso?
Transferência de peso é quando o cavalo tira o peso dos anteriores e passa para os posteriores e o inverso também. Por exemplo: um cavalo empinando e, em menor grau, quando o cavalo vai saltar. Quando ele vai transpor o salto, ele precisa erguer os anteriores do chão em uma fração de segundo e em um movimento muito rápido, então, a primeira fase do salto, nada mais é que transferir o peso dos anteriores para os posteriores. Estou usando exemplos fora do adestramento para tentar ilustrar que o conceito da reunião não é uma coisa exclusiva da equitação de adestramento, mas que tem aplicabilidade para todos os cavalos.
Vamos pensar no inverso desta ideia, um cavalo que tenha a frente pesada. Tipicamente, um cavalo que cai de palheta, de espádua, num dos lados e numa das encurvatura mais que em outra. É um cavalo que não consegue fazer uma curva bem equilibrada, porque a espádua cai para dentro do círculo e, daí, ele olha para fora. Isso, de certa maneira, é porque ele está muito pesado nos anteriores, algo que é muito comum nos potros, em cavalos jovens ou em cavalos sem trabalho ou inadequadamente trabalhados.
Tem um exemplo que gosto de dar. Pegue uma cadeira comum e sente-se virado para o encosto. As quatro pernas da cadeia representam as quatro pernas do cavalo e o encosto representa o conjunto pescoço e cabeça. Para fazer o pescoço, ou seja, o encosto da cadeira, subir, você terá de reclinar a cadeira de maneira que as duas pernas embaixo do encosto saiam do chão. Você estará jogando o seu peso sobre as duas pernas de trás, de modo que o conjunto do peso — seu e da cadeira — está sendo suportado apenas pelas duas pernas de trás. Você fez uma transferência de peso para que os outros pés pudessem ficar leves. Se as outras pernas não ficarem sem peso elas não conseguem girar.

O cavalo tem mais peso nos anteriores, que sustentam 60% do peso do cavalo e os posteriores apenas 40%. Uma meta do trabalho de adestramento e da reunião é mudar esta proporção, de modo que 60% da massa combinada de cavalo e cavaleiro passe a ser sustentada pelos posteriores e 40% pelos anteriores — e esta também é uma maneira de falar da transferência de peso.
Pode explicar essa proporção de ser mais pesado na frente?
É muito simples: por causa da presença do pescoço e da cabeça. Não é que o cavalo seja naturalmente desequilibrado, o que acontece é que pescoço e cabeça descansam, ou seja, são suportados pelos dois anteriores. Isto também dá para visualizar com a cadeira. Por causa da presença do encosto as duas pernas debaixo, em cima das quais está o encosto suportam mais carga que as outras duas pernas. A tendência da metade do encosto é sempre pesar mais no chão, justamente, porque o encosto está ali, então, precisa de um esforço extra para que o peso da cadeira vá para trás.
Qual é o objetivo da reunião?
Uma das grandes coisas que conseguimos através da reunião é ter mais leveza, portanto, agilidade e expressão de movimento do anterior. Isto é necessário em praticamente todos os esportes: do cavalo de salto, porque, obviamente, ele tem de ter o anterior ágil e leve para conseguir sair do chão; do cavalo de adestramento para fazer movimentos imponentes e alçados; e em várias outras modalidades. E tem outra coisa que tem a ver com a explosão do movimento com a entrada de posterior, que é a mobilidade de coluna ou, melhor dizendo, a musculatura de coluna que é conferida pela reunião. Isso nos cavalos é um pouco diferente que em outros animais quadrúpedes e mesmo no ser humano, porque o conjunto de coluna vertebral e corpo dos cavalos é muito mais rígido. Se os cavalos tivessem uma coluna flexível, como a de um gato, seria impossível montar. Essa rigidez é importante, mas dá muito trabalho para nós mobilizarmos, engajarmos a coluna do cavalo.
Por que reunião é o último elemento?
A reunião é quando os posteriores se aproximam das mãos para gerar mais elasticidade, mais energia cinética armazenada e, portanto, maior explosão, elasticidade e impulsão da coluna vertebral. Aí todos os conceitos anteriores da escala começam a se encaixar; e é por isto que a reunião tem de ser o último elemento. Ritmo é o aquecimento; o cavalo tem de estar descontraído para poder usar todas as partes do corpo; estar em contato para ter a flexão de nuca e ser submisso ao cavaleiro para ser direcionado como for; tendo a impulsão, que é a capacidade de fazer os movimentos com elevação; e, depois disto, a retidão, que é a história do motor alinhado — tudo isto agora vai resultar na reunião para que o conjunto realmente se movimente com o máximo grau de eficiência.
Tenta imaginar a reunião a cada lance e a cada passo do cavalo; é relativamente fácil visualizar isto no galope. Imagina um galope bem elástico, com bastante reunião, mas cuidado: isso não é curto. Bastante reunião não quer dizer um galope de quatro tempos, quer dizer que é aquele galope que, a cada lance, o cavalo coloca o posterior lá na frente, a nuca sobe, o cavalo parece que está se contraindo, que a mola do corpo está fechando e abrindo a cada lance, com muita amplitude e muita elasticidade — este é um galope com um bom grau de reunião. A cada lance, o cavalo está reunindo e alongando a coluna vertebral.
Os posteriores precisam avançar em direção aos anteriores para que a elasticidade da coluna possa ser obtida. Existe, portanto, uma relação bem grande entre reunião e impulsão. A impulsão é pré-requisito para reunião, mas a reunião também segue gerando a impulsão. Ou seja, é muito mais fácil e eficiente ter uma boa impulsão no cavalo que consegue administrar a própria reunião. Aí de novo temos a história do back mover, do cavalo que usa o dorso para se movimentar, versus o cavalo o leg mover, aquele que apenas eleva as pernas. A reunião correta sempre terá como efeito o cavalo que é um verdadeiro back mover.
Como obter a reunião?
Obtemos a reunião através da liberação dos anteriores e através do engajamento dos posteriores e conseguimos isto com transições, com figuras e, claro, com os exercícios em duas pistas, sendo os melhores a cedência à perna para aquecer, depois espádua para dentro e depois travers. Se você conseguir colocar um pouco estes três exercícios já vai ajudar bastante, mas dos três, em termos de reunião, o principal é a espádua para dentro porque ela mobiliza os anteriores e ela leva a um grau de alongamento dos músculos e ligamentos.
Já a mobilização dos posteriores a gente faz basicamente com transições, que podem ser dentro do mesmo andamento. Também utilizamos bastantes círculos variando o diâmetro deles. Um exercício bem conhecido é a famosa espiral onde você começa, por exemplo, em um círculo de 30 metros, num trote elevado, e, calmamente, vai diminuindo o círculo de um a 1,5 metro de cada vez. É importante que o caracol demore, pelo menos, umas oito ou dez voltas até chegar ao diâmetro mínimo, que não deve ser menor que seis metros — e, se o cavalo for jovem, não precisa fazer menor que dez metros. No fim, nos dois ou três últimos círculos, você vai sentir que o trote sentado começa a ficar produtivo e confortável, porque, logicamente, você quer aumentar o grau de reunião. Uma vez que você esteja no menor círculo, você amplia o diâmetro de novo e aos poucos até voltar ao tamanho do círculo original. Faça isto para os dois lados e depois pode repetir ao galope, logicamente, sempre deixando o cavalo descansar no meio. Este é um excelente exercício para ativação de posterior.
Outro exercício que ajuda bastante na reunião são as transições aliadas às figuras que pegam um pouco mais de encurvatuda, como os círculos menores, segmentos de curvas e o travers, que é o famoso cavalo atravessado que você pode visualizar com a frente do cavalo andando em linha reta ao passo que o pós-mão está encurvado em torno da perna de dentro, como se ele estivesse exercendo uma pequena curva. Tudo isto que faz com que ele tenha de entrar mais com o posterior. É muito difícil seu cavalo conseguir fazer um bom círculo, se ele estiver com o posterior aberto. Podemos falar o inverso também: um grau de reunião é o pré-requisito para um círculo fechado. Lógico que o último grau do círculo fechado seria a pirueta, que, para ser executada corretamente, precisa de um grau de reunião bastante elevado. Para tudo isto ocorrer, o cavaleiro precisa usar mais o assento para engajar o cavalo para reunir. É ter a sensação de que temos o cavalo à frente da gente, à frente do cavaleiro. É sentar um pouco para trás, recuar um pouco o ombro, fechar um pouco a perna para ter a sensação de que o cavalo está o tempo todo brotando, saltando entre as suas pernas para frente — esta também é uma maneira de sentir ou de visualizar a reunião.
Também é importante fazer transições frequentes, quase que pegando o cavalo de surpresa, desde que seja uma brincadeira e não uma coisa agressiva, pois elas vão ajudar a aumentar o grau de reunião, porque o cavalo terá de ficar alerta e disposto. Um dos exercícios para entender isto é pedir poucos passos, como dois ou três, e já voltar para o trote e fazer isto repetidas vezes. Em algum momento, o cavalo vai perceber que é melhor prestar atenção e, assim, você gera um grau de expectativa física e mental no cavalo que vai ajudar nas outras atividades. Mas isso sempre lembrando que não é agressividade e, como sempre, há de recompensar após algumas execuções, mesmo que não tenham sido perfeitas, porque você quer recompensar no cavalo pela tentativa, pela intenção de te dar a resposta correta. Desta maneira, ele vai ficar mais motivado a colaborar com você no futuro.
Isto é uma coisa que vale sempre lembrar: quanto mais se aperta, quanto mais se avança no trabalho, mais cansativo fisicamente e também mentalmente, por causa do grau de concentração exigido, o trabalho fica para o seu cavalo. Então, você tem de ter coragem de no momento certo parar o trabalho, pois é desta maneira que eles aprendem.
Uma coisa que a gente traz do horsemanship natural e que agora, cada vez mais, vemos permeando a equitação clássica com a equitação etológica, de bases comportamentais, e vice-versa, é que o cavalo não aprende com a pressão, o cavalo aprende com o alívio de pressão. Mas, se vocês olharem para algumas cenas do adestramento clássico, às vezes, está bem distante disso aí.
O pessoal tem uma ideia de que, quanto mais pressão, melhor — e eu estou enfatizando isto agora, no capítulo sobre reunião, porque se tem ideia de que reunião seja o final, que agora ele vai estar sobre pressão o tempo todo, mas não é isto. Lembrem-se de que, mesmo as reprises mais avançadas duram uns oito minutos, o que é um período relativamente curto. Logo antes e logo depois, o cavalo tem de ter oportunidade de descontrair, porque senão os andamentos se perdem. A reunião não pode sacrificar os elementos anteriores, principalmente, os dois originais e mais importantes: a descontração e o ritmo. Se a descontração e o ritmo se perderem, a reunião não vale a pena ser mantida. Ou seja, alivia, descansa, respira, sorria, dá um tapinha no pescoço e dali a pouco começa tudo de novo.
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Excelente entrevista!!! Ao mesmo tempo esclarecedora e encorajadora. Obrigada, Claudia e Roberta. Muito obrigada.
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