Focar na extensão e descontração antes da reunião; entender que os cavalos são únicos e buscar o treinamento mais adequado às características deles; não fazer treinos iguais e inserir diversos períodos de passo ao longo das lições; além de estudar sempre. Essas são algumas das dicas passadas por Ndzinji Pontes, que conversou com Adestramento Brasil, após ministrar clínicas no Clube Hípico de Santo Amaro. “Eu trabalho cavalo há muitos anos e continuo aprendendo. Pego um cavalo novo que me ensina a algo. A gente tem de estar aberto a este aprendizado com cada cavalo”, destacou.
Cavaleiro profissional há pouco mais de 20 anos, Pontes ministrou duas clínicas de dois dias cada no CHSA, no início de junho, para atletas de todos os níveis, amadores e profissionais, inclusive conjunto de salto. As aulas incluíram trabalho de chão e montadas. Diferentemente de clínicas de anos anteriores, Pontes destacou que as deste ano foram abertas a quem quisesse participar e teve a chancela do clube, sendo organizada pelo sócio Bruno de Certaines, com apoio da diretora de adestramento do CHSA, Ana Carolina Chemin. “A ideia da clínica foi mostrar a complementariedade entre o trabalho de chão e no picadeiro, montado”, disse Certaines.
O sócio, que também é cavaleiro profissional e treinador, ressaltou que as clínicas foram abertas a ouvintes. “Não cobramos para ouvintes e veio gente do Recife, de Florianópolis e de Ribeirão Preto. O objetivo é compartilhar o conhecimento; queremos que mais pessoas passem a conhecer o trabalho de chão do Ndzinji e os ensinamentos dele”, afirmou. A clínica, que também é aberta a não-sócios, deve se repetir periodicamente ao longo do ano para que haja um acompanhamento do trabalho e da evolução dos conjuntos.
Confira a seguir os principais pontos da conversa com Ndzinji Pontes:
Extensão e descontração antes da reunião
Eu procuro muito a extensão e descontração dos cavalos. Na escala de treinamento, o último tópico é a reunião e, para se ter uma boa reunião, é preciso ter uma boa extensão, que é a moldura, o comprimento do pescoço. A moldura de nuca alta é de prova; já a moldura de trabalho é horizontal e abaixo da cernelha. Existem três molduras: para cima, horizontal e abaixo da linha da cernelha. O trabalho de o cavalo ter o nariz muito para baixo, próximo ao joelho e ao chão, nos três andamentos, é algo que procuro fazer com todos os cavaleiros, de qualquer modalidade, no início e no fim do treino. E, no aquecimento, já acoplo este movimento do alongamento horizontal ao lateral, com introdução de espádua adentro e ceder à perna, porque gosto de ter o cavalo o mais longo possível, fazendo transições dentro do ritmo e movimentos laterais iniciais. Estes são os ingredientes de transformação do animal em um supercavalo; é o click para o cavalo ganhar equilíbrio e de aprender a carregar o cavaleiro da melhor forma possível. A maioria dos problemas que encontramos é por falta de equilíbrio, de força no dorso e por tensões de encurvatura; e eles desaparecem com a extensão da moldura.
Tensões
Todas as tensões do cavalo vêm com a nuca alta, porque ele se prende. Mas você tem porcentagens de treinamento para ajudar a trabalhar isto. Um cavalo de dorso fraco fazemos 80% do trabalho para baixo e 20% para cima; um cavalo de dorso forte, 70% para cima e 30% para baixo. Você tem de conhecer o cavalo para aplicar esta didática. Isto tem a ver com a força do dorso e com o temperamento do cavalo. Este trabalho é a chave para ganhar força. E a proporção deve ser aplicada conforme a força do dorso do cavalo, já que um muito forte não precisa de tenta extensão e alongamento de moldura.
Nenhum cavalo é igual
O treinamento dos cavalos é feito de ideias — e umas servem para uns, mas não para outros. Com a experiência de anos montando, começamos a perceber atitudes em relação a cada cavalo e formamos um portfólio com diversas ferramentas para acessar. Ao aplicar uma ferramenta, você somente vai saber se ela serve com os dias. Quando vejo um cavalo, eu tenho ideias do que pode ser feito. Somente depois de eu aplicar as ideias, o cavalo vai me dizer se elas são legais para ele ou não. O pior treinador é o que usa a mesma aplicação [treinamento] para todos os cavalos. Temos de conseguir pensar nos cavalos individualmente. Para isto, é preciso entender a atitude que ele demonstra, o temperamento e a força de dorso. Em atitude, temos de observar coisas como, por exemplo, um cavalo que queira ter passadas sempre muito rápidas. Neste caso, terei de inverter para ele ter passadas menores para acalmar a mente dele. Em um cavalo que está muito para frente, a mente dele também está, pois o corpo é um reflexo da mente. Assim, você entende a mente de um cavalo conforme ele se comporta montado: se ele é inseguro, se é seguro, se é ansioso — por exemplo, se quer antecipar os movimentos. Através desta primeira leitura, você começa a adaptar um método de treinamento para cada cavalo. E essa informação vem do conhecimento, do número muito grande de cavalos construídos, de alunos em diferentes modalidades e níveis; com isto, você consegue ter um acervo e um acesso mais fácil ao cavalo.
Intervalos são essenciais
Faça sessões curtas — de trote, galope —, mas quantas sessões quiser; e intercale-as com passo. Este método de treinamento é o mais usado pelos melhores cavaleiros do mundo, que é chamado de refrescar a mente e o corpo do cavalo. Ou seja, monta e, a cada vez que entrar ao passo, se refrescam a mente e o corpo do animal; e depois começa de novo. Com estes gaps de passo, deixamos o cavalo revigorado para a próxima sessão. Um cavalo que trabalha continuamente passo, trote e galope, passo e acabou, se você retomar as rédeas para recomeçar o trabalho, ele vai falar ‘não quero mais’, ‘quero ir para casa’, ‘já fiz a minha parte’. E, quando dá as descompressões no meio do trabalho, por meio do passo, do alongamento, da descontração, ele, cada vez que você retoma as rédeas, ele ganha uma atitude que é ‘opa, o que vai ser agora’.
Mudar o local dos exercícios
A mudança do local onde, por exemplo, se pede uma mudança de pé ou determinado exercício, é fundamental. Os cavalos são muito inteligentes e, como consequência, ele pode chegar ao local onde sempre é pedido algo e não fazer o que está sendo pedido e, pior, entrar em um estado extremo de tensão.
Equilíbrio de treinamento
É preciso ficar atento à ansiedade do cavalo. Um cavalo que é muito ansioso, que tem tendência a antecipar os movimentos, você tem de ter o leque de informações, não fazer o exercício no mesmo lugar, mudar o lado da pista, mudar a letra, mudar o grau de encurvatura, o grau de moldura, porque um cavalo bem montado é um cavalo pronto para dançar com você; e não um cavalo com treinamento mecânico sempre na mesma reprise, sempre nas mesmas letras. A boa equitação é uma arte. Os melhores cavaleiros no esporte têm um tanto de arte, porque fazer um cavalo tem a parte mecânica de prova, claro, porém, os grandes cavaleiros, e você vê quando eles trabalham, cada um tem o seu jeito e tem uma cor, cheiro, instinto. O livro básico da equitação é o mesmo, mas como aplicar é individual de cavaleiro e para cada cavalo. Esta mescla cria esta coisa bonita, mas muita gente cria o cavalo mecânico, com nuca só alta, só movimento. A boa equitação é orgânica e não mecânica.
Estudar sempre
A dica que eu dou é estudar. Ler o máximo possível e de diferentes professores e metodologias para poder ter recursos para aplicar em diferentes cavalos. Mesmo amador. Se a pessoa realmente ama o cavalo, gosta da modalidade, do estudo da boa equitação, o que eu recomendo é leia. E hoje é tão fácil, porque tudo é tão acessível. Acho que nunca tivemos tanto conhecimento e tão acessível como agora, com a internet. E ler treinadores extremos para depois procurar o caminho do meio para o seu cavalo. Ler desde quem trabalha no muito redondo ao acadêmico de nuca muito alta e depois aplicar nos cavalos, acompanhado dos professores, claro. E, mais, ler o mesmo livro várias vezes e em épocas diferentes.