O espanhol Samuel López Candel leva mais de três décadas e meia no mundo do cavalo. A paixão e a profissão vieram de família. Ele é a terceira geração de cavaleiros. López ainda compete e se dedica a dar aulas. Em uma de suas passagens pelo Brasil, conversou com o Adestramento Brasil sobre as bases do treinamento, incluindo o físico e mental dos cavalos. “Temos que ter um cavalo que esteja reto, calmo e com impulsão”, disse. Ele também avaliou a evolução da modalidade e ponderou que os juízes não avançaram no mesmo ritmo que cavaleiros e criação. “Os juízes não têm um critério e, por causa disso, os ginetes ficam um pouco perdidos; não sabem o que os juízes querem.” Confira a seguir o bate-papo:
Adestramento Brasil: Para começar pode contar um pouco da sua história com cavalo?
Samuel López Candel: Eu venho de uma família com várias gerações de cavaleiros da Espanha. Meu pai, avô e bisavô já eram criadores de cavalos e cavaleiros. Cresci neste mundo e sempre gostei muito de competições. Também tive a sorte de ter mestres e professores que me ensinaram principalmente a passar o que um recebe.
Você está dando clínicas no Rancho Cariama, que inclusive eu fiz. Pergunto: o que você acha que é mais importante para passar para os alunos nessas aulas?
Principalmente, eu sempre que começo a passar aos meus alunos o conhecimento, é muito importante que eles saibam que estão em cima de algo que se move e que está vivo. É muito importante ter um bom assento e uma boa mão; ter uma boa relação entre o assento e a mão, de tal forma que vamos acompanhando o movimento que produz o cavalo. Com técnica e trabalho, acomodamos o movimento dele ao nosso. E o objetivo de ter um cavalo bem administrado não é só com exercícios como piaffer e pirueta, não. Temos que ter um cavalo que esteja reto, calmo e com impulsão. Esses são os três pilares.

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E isso vale para todos os níveis. Parece algo simples, mas sabemos que não é…
Exatamente. Precisa de muita formação técnica. Esses três pilares valem para todos os níveis e para qualquer disciplina. Partindo da base que o cavalo esteja reto, tranquilo e com impulsão, você pode colocar seu cavalo no adestramento, em rédeas, salto. Você acomoda os movimentos à disciplina, mas a base é exatamente igual — e isso vale para passear com os cavalos. Considero muito importante ter esta relação também de assento e mão para que as entrem bem nos cavalos e eles a compreendam bem. E a comunicação entre alunos e professores tem de ser fluida, com linguagem simples para que se entendam, seja um ginete olímpico, seja um iniciante. Minha maior preocupação é me fazer entender. Quando já conheço o aluno, o que faço é guiá-lo pelo caminho mais fácil e, sobretudo, é muito importante que os alunos comecem a pensar, qualquer nível que tenham. Eu marco objetivos e sensações do que vai passar; eu falo: agora vamos fazer isso e vai acontecer isso, senão, vai passar aquilo. Quero que os alunos sintam e tomem decisões, para não convertê-los em robôs que escutam e fazem. Porque, assim, é uma maneira de enriquecer-nos todos: passo meus conhecimentos aos alunos e eles os deles.
Em seus anos como cavaleiro e mestre, o que toma de aprendizado para levar um cavalo de iniciante a níveis mais altos, como grande prêmio? Qual é a sua filosofia?
Há que considerar o mental e o físico. É isso! Tem de jogar com isso e é bem verdade que há padrões que precisam ser respeitados, mas também é verdade que não podemos ir contra ao talento de cada cavalo. Segundo o talento de cada cavalo, se vai subindo, adiantando ou esperando. Mas sempre tem de haver uma preparação prévia: isso é muito importante. É estar preparado fisicamente para tentar, provar, adiantar e tem o mental. Sempre que os cavalos estiverem tranquilos dentro do esforço — e eles são esportistas —, têm de seguir. Na Espanha, dizemos, algumas vezes, que temos de esperar andando. Então, sempre que se puder dar dois passos atrás para dar um à frente, não é problema.
E entender o momento também, né?
Não tenha dúvida. Mas, tendo o cavalo as três premissas que disse anteriormente, pode seguir adiante. E daí, por exemplo, não precisa esperar que tenha seis anos para fazer uma mudança de pé. Alguns sim, mas outros não. O que não se pode fazer é pedir uma mudança de pé, se isso destruir o galope — isso não! Ou, por exemplo, com um cavalo jovem, você pode ir brincando com piaffer, mas, se esse piaffer destruir o passo, está nos dizendo que não estamos no caminho correto. No entanto, se o piaffer ajudar a melhorar o passo, estamos fazendo bem.
Como você avalia a evolução do adestramento nessas décadas que está no meio? E para onde caminha a modalidade?
É certo que vejo melhorias extraordinárias na criação no mundo todo e em todas as raças. Houve uma melhora na cultura dos cavaleiros no sentido de que, se estamos falando de competição, que entendem que precisam de um treinador. Cada ginete já acha que é importante ter um treinador. Vejo que a cultura do treinamento, de ter equipe boa ao redor, melhorou muito. A montaria dos cavaleiros melhorou muito. Subiu a quantidade de cavaleiros bons e diminuiu a diferença entre eles. O único que vejo que não evoluiu no adestramento de competição são os juízes. Isso é o único que eu sinto falta, porque a criação, os ginetes, a mentalidade de pensar e atuar, tendo equipe ao redor, vejo que tudo evoluiu muito.
Por que diz isso dos juízes?
Os juízes não têm um critério e, por causa disso, os ginetes ficam um pouco perdidos, porque não sabem o que os juízes querem. Por exemplo, em competições de cavalos novos e cavalos de grande prêmio, estão pedindo algumas coisas que, falando com eles, eles não as querem. Mas, quando vão a julgar, se você não as têm, não te dão nota. Talvez isso seja um contrassenso e obrigue o cavaleiro a forçar cavalos, porque senão não têm notas. Você pode treinar o cavalo como eles te falam, mas logo que eles se sentam na casinha do júri não querem ver assim. Aqui, falo em geral, porque, sim, há juízes muito bons. Porém, o que vejo é que não há uma unidade de critério em geral.
A FEI poderia fazer algo neste sentido? Com mais cursos, por exemplo?
Sim e mais em colaboração com os treinadores e com os cavaleiros.
Para mostrar qual é o adestramento que se busca?
Exato. E, sobre evolução, eles [juízes] ficaram para trás dos demais — criação, cavaleiros e cultura equestre.
Falando do Brasil, não é sua primeira vez aqui. Veio há muitos anos. Se nota a diferença?
Quando cheguei,pela primeira vez, ao Brasil, para as primeiras clínicas, é verdade que havia outro nível, totalmente diferente de agora. Isso foi em 1991 até 97 ou 98. Agora estou contente, porque é o que falamos antes, há melhorado a cultura equestre. Isso é muito importante, porque a cultura equestre não é apenas competição, mas também querer aprender, cuidar do seu cavalo, saber como treinar. O nível de cavaleiros é bom e há, no Brasil, um progresso claro.
Eu ainda sinto falta de um olhar para os amadores. Não sei como isso é na Europa.
É muito importante que um cavaleiro tenha sucesso, êxito, para que os amadores se mirem nele e queiram chegar aonde ele chegou. E isso em tudo. Se a equipe nacional tem um ginete olímpico, vai ajudar quem quer montar para passear. É como quando sai um esportista de sucesso em tênis ou outro esporte. E, como tudo, a base é importante, porque é da base que saem os profissionais. É preciso fazer o mercado se mover.
Você ainda compete?
Sim, na Espanha e no nível internacional também. Mas gosto também de formar ginetes, me traz muita satisfação. Meus mestres colocaram na minha cabeça que o que se aprende se passa adiante.
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