Transições e meias-paradas são essenciais em qualquer treino, assim como ter uma sequência definida de exercícios e um propósito para o treino — e executá-los; andar muito ao passo para aquecer o cavalo e sempre trabalhar com o animal na frente das pernas, no contato e engajado. Esses foram alguns dos ensinamentos de Natacha Waddell durante a palestra que ministrou no Clube Hípico de Santo Amaro (CHSA), no dia 22 de setembro.
Waddell começou a montar na França. Foi amazona de salto, CCE e adestramento e, atualmente, é uma das duas juízas brasileiras a ostentar o título de juíza internacional 4* — ela também é juíza para cavalos novos. “A primeira coisa é sempre ter o cavalo na frente das pernas, porque tudo se passa de trás para frente. Você não estabelece contato com o cavalo, se não estiver produzindo nada nas pernas, porque você recebe nas mãos o que produz nas pernas, senão terá cavalo encurtado”, destacou Waddell.
A juíza ressaltou que o trabalho de base é o mesmo, independentemente da modalidade, e que os cavalos precisam do mesmo início para que possam ficar saudáveis para a vida toda. “Para ter um cavalo que vai ficar são algumas coisas precisam ser trabalhadas desde o início. Um potro não sabe o que é o cavaleiro, porque, o cavalo não foi feito para carregar humanos, então, precisamos ajudá-los”, explicou.
No trabalho de base, deve-se observar atentamente o comportamento do animal para não cometer erros. Não pode haver, por exemplo, tensão na nuca ou no lombo; e o cavalo jamais pode carregar o peso do cavaleiro com as costas cavas. As costas devem ir para cima e isto se obtém com o posterior engajado.
“Cada vez que for fazer um exercício, o cavaleiro deve se perguntar se isto traria dor — física ou mental — o seu próprio corpo. Não é que o cavalo não queira, é que ou ele não pode ou é cedo demais ou é puxado demais para ele ou ainda que o pedido foi malfeito”, detalhou. Se o cavalo for jovem e tiver engajamento, seus posteriores irão para ponto de gravidade e as costas vão subir. “Costas cavas é quando o posterior não entra. O fato de engajar o posterior vai subir as costas”, completou.
Confira abaixo os principais pontos abordados na palestra
Três pontos fundamentais para o cavalo novo
“O único jeito de ter cavalo em saúde boa é começar com as coisas de forma correta”, disse Natacha Waddel, antes de introduzir os três pontos fundamentais que se deve pedir de um cavalo novo. “O que se precisa do potro, assim que se senta em cima dele, é que ele vá para frente. Esta é a primeira coisa que se pede a um potro. Ele tem de estar à frente da sua perna e tem de saber que tudo se passa para frente. Depois ele tem de saber parar. E depois tem de saber virar para a esquerda e para a direita. Com estes três elementos você tem um cavalo que está controlado. Isto é um super início. Em cima deles, você vai colocar um monte de exercício, lembrando que o cavalo fica entediado rapidamente”, ensinou.
Sequência definida
“Quando você for começar o exercício diário, tem de ter uma sequência definida na cabeça. Não pode ser ‘começar e veremos’. Você precisa ter uma sequência e tem de respeitar ela”, destacou. Waddell lembrou que os praticantes de salto, por vezes, acabam deixando de lado o trote e ressaltou que treinar a andadura é essencial. “No dia a dia, não pode esquecer-se do trote, porque ele, ao contrário do galope, é uma andadura simétrica que favorece o movimento da coluna.”
Além disto, a juíza destacou que aquecer ao passo é a regra número um para qualquer treino. “Quando você sai da cama, não corre maratona. Andar por um mínimo de dez minutos ao passo é importante para lubrificar as articulações. Se você tiver pouco tempo, nunca descarte a fase do passo, porque vai machucar o cavalo”, alertou. Para o fim do treino, ela sugere um trote redondo e para baixo para relaxar toda a musculatura e, depois que o cavalo estendeu a coluna e o pescoço, passar para o passo para esfriar.
Transições: chave do sucesso
“As transições são a chave do sucesso para o trabalho de adestramento. Você nunca vai poder avançar no trabalho do seu cavalo se ele não for capaz de fazer transições corretas”, destacou Waddell. Para isto, o cavaleiro deve ter em mente que as transições precisam ser preparadas. O cavalo é animal de fuga e detesta surpresas — elas podem ser um pavor para os cavalos e traumatizá-los, por isto, tudo tem de ser preparado.
Existem três tipos de transições: as progressivas, as precisas e a meia-parada. A progressiva, lembrou Natacha Waddel, é aquele que se vai praticar no cavalo novo e que são pedidas na série elementar, na qual se permite, por exemplo, passo antes do alto, diferente das transições precisas que devem ser feitas em um ponto determinado. Além disto, ela lembrou que uma transição não é necessariamente de uma andadura para outra, mas existem várias dentro da mesma.
Já a meia-parada deve ser usada em diversas ocasiões, como antes dos cantos para chamar o posterior e antes de executar um movimento. “A meia-parada vai falar para o cavalo: presta atenção que vou pedir alguma coisa. Ela é um excelente meio de comunicação com o cavalo. Carl Hester diz que em uma sessão de trabalho são feitas cem meias-paradas”, disse.
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Waddell ressaltou ainda que a meia-parada não é dada apenas com a mão. “Se ela vem somente com a mão, o cavalo reage e cria tensões no pescoço. A meia-parada é uma ação conjunta com assento, perna e mão. É ação do assento e da perna e depois da mão, pois assento e perna fazem a mão agir”, explicou. Para cavalos novos, um bom exercício é pedir trote, dar meia-parada para diminuir um pouco, dar meia-parada e depois aumenta. Pode-se fazer isto em um círculo de 20 metros.
“Na meia-parada, você pára o tempo para diminuir um pouco na frente e permitir ao posterior entrar. Você suspende um pouco o tempo e, com isto, você tem um cavalo sem posterior longe e costas cavas”, disse.
Postura do cavaleiro
No trabalho de plano, a posição do cavaleiro é muito importante. E não apenas o corpo precisa estar alinhado, mas a cabeça humana exerce papel crucial. “Uma cabeça humana pesa de 3 kg a 5 kg. Se ela se move, pode desequilibrar o cavalo, que, para se proteger, ele vai buscar estar no meio do cavaleiro para colocar o cavaleiro reto, mas isto prejudica, porque, enquanto ele está tentando compensar, não está fazendo o trabalho”, apontou.
Exercícios para engajamento
Perguntada sobre quais exercícios são bons para manter o contato e conseguir um engajamento melhor, Waddell sugeriu a cedência de perna. “O cavalo naturalmente vai engajar o posterior. É um superexercício, mas na cessão a perna o pescoço deve estar reto e não se deve pensar em encurvatura. O ceder a perna é um primeiro esboço de movimento lateral, que, se pensa em encurvatura, perde o movimento”, disse.
A juíza também recomenda fazer um círculo de 20 metros e ir diminuindo ele como se fosse uma espiral para chegar, eventualmente a dez metros, se cavalo permitir, claro. “Se o cavalo for novo, não vai chegar a dez metros, por isto, deve-se sempre dosar a evolução para fechar o círculo e depois abrir usando a rédea de fora para chamar o posterior. Também se pode trabalhar em um quadrado de 20 metros e fazer meia-parada ou transição de andadura em cada canto. Tudo isto vai mobilizar a atenção do seu cavalo e chamar o posterior, mas tudo que você fizer tem de ser preparado antes.”
Cavalos de gênio forte
“Cavalo bom e de potencial, normalmente, não é fácil de temperamento. Mas, se ele tiver sido mal iniciado, será necessário ‘apagar a lousa’, fazendo uma redoma. Se isto foi feito durante um tempo longo e já criou musculatura contra, em vez de ficar redondo, ele vai cavar as costas. Neste caso, deve-se dar tempo de perder a musculatura que foi feita erradamente, o que demora até a nove meses”, explicou.
Waddell aproveitou a deixa para lembrar que, assim como nós, os cavalos também são destros ou canhotos. “Não pode forçar nenhum lado. O trabalho tem de ser feito da mesma maneira à esquerda e à direita. Não adianta nada fazer mais para um lado que outro, porque isto só cria resistência”, apontou.
Prova cavalos novos 4 anos
Quando questionada sobre o que os juízes esperam ver nas provas de cavalos novos 4 anos, Waddell disse que não se espera ver cavalos que estejam perfeitos. “Existem os erros leves e os erros fundamentais. Um cavalo de quatro anos é um bebe; tem coisas que são perdoadas. Por exemplo, o galope não saiu na letra, mas saiu bem é um problema leve”, afirmou. Os juízes observam que, se é algo temporário, não chega a ser um problema, mas, se é algo que se repete na prova inteira, é um erro fundamental.
Trabalho da guia
“O trabalho de guia é excelente, mas não deve ser feito diariamente, porque um redondel mede 20 m ou 25 m e não se deve deixar o cavalo em círculo tempo demais. Um trabalho de guia bem feito é bom para cavalo, principalmente, para o cavalo novo que não vai aguentar o seu peso do cavaleiro nas costas todos os dias.”
Embocaduras
“A escolha da embocadura idealmente é pegar a mais comum, a mais grossa e a mais suave para iniciar o trabalho. No início, não tem por que o cavalo mostrar resistência. Se estiver trabalhando corretamente, um bridão simples está ótimo. O freio-bridão pode começar a ser usado quando o cavalo começar a ser reunido. Se ele não consegue reunir de bridão, esqueça o freio-bridão, porque o cavalo tem de estar bem engajado no bridão para mudar de embocadura. O freio-bridão é a embocadura das andaduras reunidas, mas só deve ser usado depois que se conseguir fazer os exercícios no bridão; ele não é feito para ensinar. Antes de começar a usar pelas primeiras vezes, deve-se fazer algo lúdico, como colocar o freio-bridão e sair para passear. Não se coloca e faz trabalho pesado, porque o cavalo tem de se acostumar com os metais.”
A palestra de Waddell foi uma realização da diretoria de adestramento da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo de Hipismo (ABCCH) e foi transmitida ao vivo pelo canal do Youtube Brasileiro de Hipismo e pelo Facebook da entidade. A ABCCH deve realizar outras palestras até o fim desde ano. A próxima será dia 27/10 com a também juíza internacional 4* Claudia Mesquita.
7 respostas para ‘Natacha Waddell revela quais são os pontos principais para o trabalho de plano’